terça-feira, 21 de outubro de 2014

A transversalidade de gênero e raça na gestão pública


Vem se registrando, nas últimas décadas, o ressurgimento da visibilidade dos estudos de políticas públicas, assim como das instituições, regras, estratégias e modelos que regem decisões, formulações, implementações, monitoramentos e avaliações (Souza,2003).  Em outras palavras, trata-se de mapear as principais categorias e conceitos das políticas  governamentais, ou do “estado em ação” (Jobert e Müller,1987) que elege e legitima escolhas políticas específicas e que age em situações concretas (Reis,2003). O crescente interesse está diretamente relacionado com o intenso processo de mudança que vem ocorrendo no interior da sociedade brasileira, assim como com as propostas de reforma do Estado, sobretudo a partir do eclipse que o Estado desenvolvimentista deixou. Nesse novo contexto, a análise e a discussão de políticas públicas pode correr o risco de ser vítima de um tecnicismo exagerado, caso a interação de interesses, valores e normas não mereça tanta consideração quanto os critérios técnicos e as restrições orçamentárias (Reis, 2003).  Esse campo tem como problema de estudo os programas governamentais, em especial suas condições  de emergência, seus mecanismos e estratégias de operação e de controle. Tais estratégias dimensionam a seleção, avaliação e crítica do corpo conceitual que as orientam e seus prováveis impactos sobre a ordem social e econômica. Como afirma Reis (2003:12) “... qualquer que seja o ângulo da política pública contemplado por um pesquisador, as questões morais, teóricas e técnicas encontra-se bastante interligadas”. A preocupação inicial aqui é a de conhecer quais são as proposições analíticas que sustentam as políticas públicas do Estado Brasileiro em relação à implementação da transversalidade de gênero, no sentido de garantir que a igualdade de gênero possibilite a redução da pobreza. Nesse contexto, a discussão e a análise dos elementos conceituais norteadores, assim como das estratégias de implementação e de gestão das políticas públicas, se fazem necessárias para se buscar elementos que sustentem o fortalecimento da capacidade dos mecanismos institucionais da Secretaria Especial de Política para as Mulheres – SPM para a transversalidade das políticas de gênero.  Há que se destacar a importância que assumem, inegavelmente, algumas áreas sociais com a chegada do novo governo – Presidente Luis Inácio Lula da Silva, que receberam visibilidade como prioridadespresentes no PPA 2004-2007 e que foram estruturadas como novas políticas, ancoradas em novas instituições e concretizadas na ação governamental, como:
1. A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional consubstanciada no Programa Fome Zero;
2. A Política de Promoção da Igualdade Racial, coordenada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial –SEPPIR;
3. A Política da Promoção da Igualdade de Gênero, impulsionada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres –SPM. 
Cabe aqui centralizar a discussão nas questões relativas à formulação do PPA 2004-2007, produtor de políticas públicas que devem incorporar a perspectiva de gênero na sua formulação conceitual, e que, a partir dessa incorporação, possam assegurar sua transversalidade no conjunto de todas as instâncias e competências institucionais, técnicas-administrativas da governabilidade do Estado Brasileiro. Em outras palavras, como garantir que a igualdade de gênero seja incorporada na governabilidade democrática se realizando via a Secretaria Especial de Política para as Mulheres, uma vez  que esta diretriz política está cunhada no PPA 2004-2007, no Mega-objetivo primeiro, que trata da  inclusão social e da redução das desigualdades, como a meta de “promover a redução das desigualdades de gênero”.
 
Postado por : Ediane Patrícia

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O Brasil e a reforma do Estado

Boa noite pessoal!

Estamos aqui mais uma vez para disseminar o aprendizado que adquirimos durante o desenvolvimento do curso de especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, oferecido pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Hoje, vamos falar um pouco sobre a reforma do Estado brasileiro nos últimos 20 anos? Então vamos lá! 

As primeiras determinações relacionadas à reforma do Estado podem ser observadas, na década de 1990, durante o governo Fernando Collor (1990-1992), e estavam concentradas na privatização, liberação comercial e abertura da economia. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) o tema da reforma do Estado adquiriu centralidade principalmente pela criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), responsável pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, e cuja principal ideia seria de um Estado que deveria executar direta e exclusivamente as tarefas de sua competência, as que envolvessem o emprego do poder de Estado ou a aplicação de recursos. A execução seria descentralizada e delegada às agências executivas e reguladoras autônomas ou a organizações sociais. Assim, a reforma gerencial, inspirada nos preceitos utilizados na administração de empresas, parte do pressuposto de que o privado é mais eficiente do que o público, baseando o processo de reforma na perspectiva do Estado mínimo (seria uma forma de governabilidade mais ágil e com menos custos). Esta reforma, a partir de meados da década de 1990, mostrou ficar muito aquém das metas e objetivos estabelecidos e sem efeito para atuar nos problemas apontados anteriormente (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).

Na década de 2000, houve muitas mudanças relacionadas à implementação de políticas públicas, cujo início deu-se juntamente à posse do presidente Luis Inácio Lula da Silva em 2003, quando vê-se uma nova proposta de reconstrução de Estado, com este sendo ressaltado como promotor de políticas públicas em parceria com o movimento social organizado. Desta forma, o foco eram os direitos sociais (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).



Em 2002, ao final do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, foi criada a Secretaria dos Direitos da Mulher (SEDIM), subordinada ao Ministério da Justiça (ainda que esta instância não atendesse aos ideais do movimento feminista) (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).
Já no início do governo de Luis Inácio Lula da Silva, precisamente no primeiro dia de seu governo, através da Medida Provisória 103, foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, para desenvolver ações conjuntas com todos os Ministérios e Secretarias, fomentando estratégias para o desenvolvimento de políticas para as mulheres, tendo como atribuições propor, coordenar e articular um conjunto de políticas públicas direcionadas à eliminação de quaisquer formas de discriminações de gênero (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).

Temos as I e II Conferências Nacionais de Política para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial, realizadas, respectivamente, em 2004, 2007 e 2005, 2009, que resultou na garantia de espaço de participação mais expressiva de mulheres e negras/os na luta para a implementação da estratégia da transversalidade de gênero e raça na governabilidade (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).
Observamos também o I e II Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres, resultado do esforço do governo brasileiro em combater as diversas formas de discriminação contra as mulheres que persistem na sociedade brasileira (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).
Dando ênfase à promoção da igualdade racial e proteção dos direitos dos grupos étnicos e raciais discriminados, em 2003 surge a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), originária do movimento negro no Brasil e pautada no reconhecimento de que “o racismo consiste em um elemento fundante do Estado brasileiro, pois as estruturas da vida social, da produção e da apropriação de bens – materiais e simbólicos – e as esferas de poder no país são permeadas por desigualdades étnico-raciais” (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011, p.56).


A intensa participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas tornou o governo mais permeável às demandas dos movimentos sociais, como o das mulheres e negros/as, que ganharam mais força e expressão nos anos 1980 e 1990, criando Conse­lhos de Direitos e Secretarias, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que têm como objetivo gerar impactos em todas as áreas de atuação atinentes ao governo, de modo a promover uma efetiva cidadania das mulheres e dos segmentos raciais discriminados, considerando a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011, p.34).

Ainda é possível observar, no final do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a implementação e o aprofundamento de vários mecanismos dessa nova prática no Brasil, ancorada na reestruturação da capacidade estatal, na centralidade das políticas sociais, na ampliação e fortalecimento de mecanismos de participação e controle social, e nas experiências de políticas de transversalidade (HEILBORN; ARAÚJO; BARRETO, 2011).
Não podemos deixar de citar que as mudanças ocorridas a partir da década de 1990 afetaram significativamente a implementação das políticas públicas de gênero e raça. Como podemos observar anteriormente, as transformações ocorridas no que tange ao papel do Estado e sua reforma possibilitaram uma maior e melhor pactuação entre governo e sociedade civil; junção esta que possibilitou que todas estas políticas públicas implementadas no país pudessem se aproximar à realidade das/os que delas necessitam.


REFERÊNCIAS


HEILBORN, M. L.; ARAÚJO, L.; BARRETO, A. Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça | GPP – GeR: módulo V/ – Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011; 170 p.